sábado, 27 de novembro de 2010

Flores de um vestido













Com os braços abertos
girava com seu vestido rodado
no meio de um jardim florido
esvaindo-se com os pulsos cortados

Fitava sorridente o céu
como se quisesse colher estrelas
e dormir com elas sobre a lua.
Caído e quieto permanecia o chapéu

Lágrimas, suor e sangue
respingavam sobre as flores
pincelando a sua última arte
berço eterno em vermelho-mangue

O céu escurecia em seus olhos
e sem o chão sentia-se leve
flutuava como uma pena breve
diferente daquela em seus ombros

Ao descansar seminua
no jardim, sua nova cama
pôde sentir o gosto da alma
e camuflar uma vida tão crua

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Infernópole

Tantas motos, carros e escarros pelas ruas. O verde escondendo-se atrás de uma nuvem cinza. O chiclete apaixonado derrete-se agarrado no solo quente. Os pombos em choque, sobre os fios expostos, com os olhos grandes e ardidos; assistem mudos ao espetáculo.

Quando a noite chega, o chão esfria a cabeça... Bocas-de-lobo arrotam uma lavagem indigesta, tragando e baforando restos de bitucas de cigarro e de refrigerantes quentes. Ratos e baratas se encontram para compartilhar fragmentos de sanduíches hot-dog e farelos de coxinha.

As pessoas dormem, e o vento rasteiro muda a página de um jornal; o céu continua lendo. Noutro dia, logo cedo, uma nova notícia desperta ao som da repetida sinfonia. Iniciado por uma buzina infernal, o show se estende ao longo do dia e a vida continua sendo normal, quem diria...

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Fidelíssimo










Um vendaval-tentação
passou por mim
Fingi ser poste...

Depois saí mijado
Maldito cão desgovernado!

domingo, 21 de novembro de 2010

Nu escuro

 











Cedo ou tarde
Preto e branco
Serão cinzas

Tragos de uma vida
Alegre ou triste

No peito que segue em riste
O coração ainda é vermelho

No corte que sangra
A mesma dor

No olho que chora
A mesma lágrima

No beijo de agora
O mesmo sabor

No sangue arvora
A face da alma

Num mundo sem luz
O escuro ainda
É igual para todos

sábado, 20 de novembro de 2010

Pelo horizonte

O horizonte não existe
É apenas miragem!
Reflexo de um corpo em repouso
Onde os olhos se perdem no nada

E que vasculham sementes no chão
No meio daquela manada
Contando voltas de um moinho
No alto da colina gramada

Caminham sozinhos
Ouvindo distante
Pegadas de chuva
E um respiro cadente

No fim da jornada
Me encontram pelas costas
Acordando o meu dorso
Com um sopro na nuca

Mas quando não encontram nada
Nesse breve lapso de ausência
Logo retorno pra mim

A alma continua calada
E não sei mais o que é existência...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Uma dúvida, uma fantasia e dois lados

? é um gancho
Que pode rasgar
Bem no meio alguém

Que em duas partes
Então dividido fica
Assim não se esclarece
A dúvida primária
Do que é o Todo

Um ! de baseball
Também machuca
Mas o meu outro
Lado vai ceder
Se o tal de ?
Me pegar

E não dá pra sair
Por aí pulando
Igual Saci-Pererê
Com um taco na mão
Já pensou a guerra ?!

Sou apenas um.
Sem dois lados
Posso até ficar
Com os trapos
E um corte:
Se ele for pequeno
Nada que ... não resolvam

Mas se ele for grande
Até de cima dará pra ver
O resultado final = %

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Não sei se minha vida é escrever













Não sei se minha vida é escrever
Sei que ela me escreve, me desenha,
me pinta em tantas paredes...
No tronco da árvore, no banco da praça,
na pétala clara, no concreto mole daquela calçada

Me esboça surreal na tela em branco,
no quadro negro, na agenda, caderno
e na carteira da escola,
debaixo da escada, no estrado da cama,
em ranhura na estrada,
e na areia da praia, letras e formas de pé

No papel perfumado alado eu meu sinto
quando sou aspirado...
(e flutuo com intento e eu tento tanto)

Esta é a vida! Sua cor preferida?
Vermelho indiano, vermelho carmim
Vermelho mundano, vermelho sem fim
Me tatua quente na pedra fria
poente na pele nua, pra todo o sempre
desenhado na teia, esparramado na lua

Sou tinta óleo pra quem me olha
bem lá no fundo
um livro ilustrado que alguém desfolha
pra guardar de lembrança

Assim esfrio com o vento
e como as pedras da rua
enfim, a vida me perpetua
secando meu sangue no tempo

domingo, 7 de novembro de 2010

Trovart

Trago no meu peito
Razões em cinzas
O coração é meu leito
Verve de brisas
Anunciando um canto
Raio com asas
Trovejando imperfeito

No purgatório

Um vermelho-chama queimando silencioso em minhas veias. Rasga o meu corpo insano que inflama. Atrás do espelho, meus olhos-guaraná anseiam a fêmea vestir-se seminua. Meu corpo se derrete, torcendo pra que ela cometa os maiores pecados ao longo do dia...

E quando ela descansar enfim, meus braços grossos e suados confortarão sua nudez em mim; então tocarei os seus lábios. Seu corpo iluminado de diva irá dissipar-se aos poucos, enquanto a alma ainda viva consumir, os nossos desejos mais loucos...

sábado, 6 de novembro de 2010

Que se lasque










Se o teu coração é de pedra
A pedra que se lasque!

Quem sabe não vire diamante
Mesmo que sejas brutamontes

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O mundo está mudando













O mundo está mudando
A casa vazia
Falta luz

Ecoam o pó
e o silêncio
de um Big-Bang só

Num canto escuro do tempo...

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Pla... tônica garçom, por favor

? é universal
O numeral também

E não me faz mal
Quando a saudade vem

Pois de mim pra ti
Há um amor que vai além

Mas nesse esteio musical
Vou indo de Dó pra Si

Porque depois que te vi
Nota-se que tornei-me refém

Tu vieste, eu me escondi
Pra não ser mais ninguém...