terça-feira, 26 de abril de 2011

Nanquim













Fui me reencontrar
Onde o Sol tatuou
Pela primeira vez
Minha sombra numa rocha fria
Que descansava à beira-mar
Esperando afagos das ondas
De olhos espelhando garças
À procura de peixes na areia

Era um dia quente, sem nuvens
Foi lá onde deixei
Minha alma tão silente
Escondendo-se aos poucos
Atrás de um mato rasteiro

Do Eu do outro lado
Achei que fosse o fim...
No oco só ouvia ecos

Eu já fui tinteiro
Que vazou nanquim
Antes mesmo de a chuva levar
Qualquer pena que não tivesse
Uma ponta de esperança

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Pólen valente













A morte é preciosa
Um detalhe da vida
Não mais dolorosa
Do que uma despedida

É quando a rosa despetala
Amarela ou avermelha
E repousa espinhos
Na carne vencida, e cala

Mas o pólen é o cerne da alma
Que aguarda ansiosa um bico
Ou ousa para que o vento a leve
Noutras terras de solo mais rico
Onde nenhum beija-flor jamais esteve

sábado, 16 de abril de 2011

Diva divina











Da diva a dádiva
Da vida de musa bela
Difusa luz de vela
Me lambuza e me desvela
Saliva seiva e me encarcera
Me sova na cela, patas de fera
Me faz de altar e sela o meu grito
Rebela o meu mar e me sorve num rito

sábado, 9 de abril de 2011

Luto sempre













Luto pela morte
Luto pela vida

Assim você escolhe
De qual lado fica

A dúvida clara
Palavra dúbia

Permanece crua
No vão da consciência
Contra a própria vontade

A etimologia? Indiferente

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Servir










Antes fosse só a veste
Qualquer farda é amarga
quando a alma é doce

Na sobremesa à la carte
a pobre reza de Marte
que pede trégua ao Sol
mas o fogo não finda

Bala ou bola fora do canhão
O medo sangra na escuridão
Um minuto de silêncio...
Até o primeiro choro do filho
ou derradeiro estalo do gatilho

A história não estanca no tempo

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Numa breve visita










Perdi meu casaco de penas
Num banco qualquer da estação.
Durante a viagem senti frio
Mas não esquentei muito a cabeça

Trêmulo, vesti-me de esperança
Ouvindo a cadência das rodas
Nos trilhos de um sonho silente
No brilho de um sono profundo.
Respiros que abrem caminhos
Entre cinzas que nevaram na vida

Perdi também o medo
De deixar minha alma nua
Quando me vi num campo aberto,
Eu parecia com todos em volta!
Nudismo espiritual?

Os pontos de luz pareciam estrelas
Alguns caminhavam de pontas dadas
E não havia mãos, porém
O destino parecia residir ali
Há muitos e muitos anos-luz

Eu ignorava o tempo
E o vento me contava novidades
Das árvores frutíferas
Que conversavam com pássaros
Que voavam com borboletas
Que fecundavam belas flores
Que enfeitavam as bordas dos rios

Perdi até a fome da vida!
Porque então as frutas?
Vá entender!

Mas o melhor veio depois
Quando senti cheiro de comida
E ouvi uma voz meiga
Vindo em minha direção...

Era uma bela e sensual enfermeira!
Então, logo pensei:
Bem que ela poderia ser
A erva de agora
E a Eva de outrora...